A minha casa é o céu
24.12.2015 às 9h00
João Ribeiro da Cunha mudou-se das Filipinas para o Vietname este ano para trabalhar como piloto de uma companhia aérea low cost
João Ribeiro da Cunha
João vive num país com 2% de taxa de desemprego e onde se trabalha seis dias e se descansa um. O filho bebé nasceu-lhe nas Filipinas e já visitou mais países que o número de meses de vida que tem. Mas agora é no Vietname que estão, onde gesticular tornou-se um hábito para comunicar com os outros - os taxistas expulsam os clientes que não entendem. João, que cruza os céus quase todos os dias, traz-nos a quarta história da série “Em pequeno número”, que o Expresso publica nesta semana de Natal e depois na de ano novo sobre portugueses que vivem em regiões em que quase não os há
Ir de mota para o trabalho é comum na cidade. Pelo caminho existem pequenas bancas a vender café e “bánh mì” (baguetes com todo o tipo de ingredientes), que os vietnamitas por vezes compram para comer no trabalho à hora de almoço. Essa é uma das rotinas que João já identificou. Depois, ao fim do dia, encontram-se nas esplanadas para beber café - quente nos dias mais frios e com gelo nos dias de maior calor. “É uma rotina mais de cidade”, conta João Ribeiro da Cunha sobre Ho Chi Minh, onde está a viver há pouco mais de três meses.
Aos 28 anos, João tinha a vida montada nas Filipinas quando lhe falaram numa oportunidade de trabalho ali ao lado, no Vietname. Uma companhia área low cost, criada há pouco tempo, procurava pilotos.
“Está ainda no princípio, as condições salariais são muito boas e bastante acima da média europeia, com a vantagem de o custo de vida ser mais baixo. Aqui, a procura de pilotos com experiência é bem superior à oferta, daí terem de abrir o mercado aos estrangeiros, oferecendo melhores condições salariais.” João não hesitou em agarrar a oportunidade.
De Manila a Ho Chi Minh são duas horas e meia de viagem. E com 400 quilos de bagagem de porão, mudaram-se para o Vietname. “Berços, cómodas, roupas, brinquedos… Sem dúvida que deixámos alguns amigos e saudades dos dois anos nas Filipinas, mas estas mudanças começam a fazer parte da nossa vida.”
Para trás ficavam as Filipinas, onde João iniciou a sua carreira na aviação comercial, mas que os marcou por outra razão mais importante: foi lá que nasceu o filho do casal, agora com sete meses. “Quando soubemos que a Filipa estava grávida, já estávamos a viver nas Filipinas há uns meses e sabíamos que havia dois hospitais privados muito bons.”
Optaram por um dos hospitais e tiveram uma médica que os acompanhou durante toda a gravidez. “Quando o Manuel nasceu, os nossos pais visitaram-nos e também ficaram bem impressionados com o hospital.”
Menos de 50 portugueses no Vietname
Agora no Vietname, vivem em Tan Bihn, o distrito do aeroporto, num condomínio próximo dos escritórios principais da companhia aérea onde João trabalha. E o seu dia a dia divide-se entre os voos e os tempos livres.
“Nos dias em que tenho voos, vou até ao escritório da companhia. Faço esse percurso a pé, são apenas 500 metros. Preparo os documentos para o voo e encontro-me com a tripulação. Por vezes, ficamos a dormir em alguns destinos dentro e fora do Vietname.” Já nos dias de folga, João aproveita para estar com a família e os amigos e para passear na cidade.
Segundo as estatísticas disponíveis, recolhidas pelo Observatório da Emigração, o Vietname é um dos países com registo de menos de 50 emigrantes ou descendentes de emigrantes portugueses em 2011.
João Ribeiro da Cunha
No total, hoje em dia, vivem 93 milhões de pessoas no Vietname, segundo as estatísticas das Nações Unidas. Dois terços da população vivem em zonas rurais e a taxa de desemprego em 2013 era de 2%.
João conhece alguns portugueses a viver no Vietname, sobretudo os pilotos portugueses que, como ele, saíram para as Filipinas e das Filipinas para o Vietname. “Sei que existe uma pequena comunidade de portugueses, mas ainda não tive oportunidade de os conhecer.”
“A vida no Vietname, de uma forma geral, é muito caracterizada pelo trabalho, os meus colegas do escritório só descansam ao domingo. No Vietname, a taxa de desemprego é muito baixa e os principais sectores de atividade são a agricultura e a indústria, começando aos poucos a introduzir-se os serviços.”
HOANG DINH NAM / Getty Images
Os dias em Ho Chi Minh
Perto do condomínio onde vivem, têm três supermercados e é lá que fazem as compras. “Existe também uma mercearia biológica a cerca de 20 minutos de táxi onde costumamos comprar a carne e fruta.”
Costumam cozinhar em casa e mantêm alguns hábitos portugueses, ainda que com algumas misturas asiáticas. “Usamos muito o molho de soja e alguns vegetais locais. Quando vamos jantar fora, tentamos sempre variar entre cozinha francesa, vietnamita, coreana, japonesa ou italiana."
Quanto a criar um filho no Vietname, para João a experiência tem sido boa e por enquanto a mulher, Filipa, está por casa. “Neste momento, ele ainda é muito pequeno, penso que nestas idades e até aos dois ou três anos não faz grande diferença, pois acabam por ter uma vida mais caseira. Viaja muito e vai connosco para todo o lado. Já visitou mais países do que o número de meses de vida que tem.”
Depois de ter vivido nas Filipinas e de conhecer grande parte dos países e capitais da Ásia, João conta que o trânsito e a forma como se conduz no Vietname não o surpreendem.
“Grande parte dos locais deslocam-se maioritariamente de mota nos seus percursos dia-a-dia. Chegam a ser três, quatro e às vezes cinco numa pequena mota muitas das vezes acompanhados com crianças e bebés. É um desafio tentar guiar nas horas de ponta. As redes de autocarros parecem-me mais funcionais para grandes distâncias.”
Taylor Weidman / Getty Images
A grande dificuldade que sente é a comunicação, visto não haver muita gente a falar inglês. “Nos táxis apenas funciona se mostrarmos no telemóvel o nome do nosso destino e a morada em vietnamita. Senão corremos o risco de sermos postos fora do carro por não nos entenderem.”
Por enquanto, os planos de João passam por ficar no Vietname por mais dois anos, o prazo mínimo do seu contrato. “Quanto a voltar a Portugal, é sempre uma grande questão: todos nós queremos e nunca deixa de ficar no nosso horizonte um dia voltar e estar de novo junto das nossas famílias e amigos de longa data.”
Mas não é simples. “Depois de se sair de Portugal, penso que ficamos mais céticos e não queremos voltar apenas por voltar. Queremos voltar se conseguirmos manter as mesmas condições de vida e proporcionar a quem está à nossa volta um bom futuro. Para já, não vejo um regresso nos próximos anos, mas não deixo de ter a esperança.”