Era o meu momento
22.09.2015 às 8h00
Alberto Frias
João Viegas partiu para Espanha em 2011 e desde então está lá a trabalhar. Queria uma carreira no estrangeiro. “Fui porque à minha volta não via nada que me dissesse ‘fica, João, aqui há mais e melhor para ti!’.” E como o pai lhe dizia: filho de emigrante raramente fica no país onde nasce. Desde 2011 emigraram 395 mil portugueses, o que faz de Portugal um dos principais países de emigração do mundo. Este é o 20.º artigo da série “30 Retratos” que o Expresso está a publicar diariamente. São 30 temas, 30 números e 30 histórias que ilustram o que Portugal é hoje em vésperas de eleições
Naquele dia, João saiu de Lisboa ainda de madrugada, eram seis da manhã. Pegou no carro, carregou tudo o que queria levar e arrancou sozinho. Foi a 15 de agosto de 2011. O pai vivia na Bélgica, a mãe em Castelo Branco, a irmã mais velha também já tinha emigrado para Manchester e ele arranjou-se. “Nunca fui apologista de incomodar os meus pais com coisas que eu posso bem fazer sozinho.”
De Lisboa a Badajoz, de Badajoz a Mérida, de Mérida a Madrid e depois até Barcelona: a viagem durou 13 horas. “A meio do caminho as pernas tremiam-me de ansiedade. No dia seguinte ia estar a começar de novo. Folha limpa.”
João Viegas tinha 27 anos e aquele dia, em que partiu de Portugal para ir viver para Espanha, foi especial. “Muitos se arrependem de muitas coisas, mas eu posso dizer que esse dia é daqueles que voltaria a fazer em 100 vidas.” João faz 32 anos esta quarta-feira. E o que o moveu naquela altura e o fez mudar de país foi, sobretudo, ter descoberto que gostaria de ter uma carreira fora de Portugal.
“Sou licenciado em Geografia e, antes desta experiência, fui professor e ao mesmo tempo trabalhava num serviço de atenção ao cliente (call center).” Foi então que lhe deram oportunidade de evoluir. “Há sete anos, quando comecei a trabalhar na empresa em que hoje estou, enviaram-me para a Holanda, onde está a sede europeia, para ser o responsável de descentralização de um departamento que na altura ainda não existia na mesma empresa em Portugal. Com 25 anos percebi que o mercado laboral não tem barreiras, nem fronteiras de línguas ou de culturas.”
Três anos depois, a empresa propôs-lhe que fosse trabalhar para outro departamento, desta vez em Barcelona, Espanha. “Fui sem pensar duas vezes. Não tinha nada que me prendesse em Portugal e Espanha está aqui ao lado para os amigos e família. Fui essencialmente porque acreditava, e acredito, mais em mim. E fui porque, à minha volta, não via nada que me dissesse ‘fica, João, aqui há mais e melhor para ti’.” Nove meses depois de ter ido embora, a posição que ocupava foi extinta em Portugal.
E o que é mudou na sua vida desde que foi para Espanha? “Financeiramente melhorou, profissionalmente melhorou. Passei a aprender mais e melhor. Dava mais, recebia mais. Em 12 meses fui promovido e fui para Madrid. Mais 12 meses voltei a ser promovido e voltei para Barcelona, a sede ibérica.” João conta que as suas preocupações deixaram de ser essencialmente as contas: “Mas, atenção, que jamais deixei de fazer a minha contabilidade. Emigras mas não podes cair no erro de achar que é tudo à grande. Vieste para trabalhar, trabalhas.”
Para lá da situação económica, também mudou a forma como vive. “Viajo mais, observo mais, pondero, penso e julgo com mais variáveis. Ajo, atuo e faço com mais determinação, confiança e segurança, principalmente sobre mim mesmo. A minha vida passou a ser muito diferente. Os horizontes abrem-se e parecem mais próximos.” Já quando olha para o lado, entre amigos e conhecidos, tem visto aumentar o número dos que emigram. “Cada um com uma desculpa, uma história, uma insatisfação e uma oportunidade.”
Emigração estabiliza em 2014
As histórias de emigração multiplicaram-se em Portugal nos últimos anos, mas são distintas. Há varias motivações, razões e emoções por trás de cada partida. Portugal tem um dos saldos migratórios mais negativos da Europa e é um dos principais países de emigração do mundo, tendo em conta a sua população e o contexto europeu em que se insere, como é sublinhado pelo Observatório da Emigração (OEm).
Com base nas estatísticas de entrada de portugueses nos países de destino, o OEm estima que aproximadamente 110 mil pessoas tenham deixado o país em 2013 – e desde 2011 foram 395 mil. As estimativas mais recentes apontam para que o número de saídas em 2014 tenha sido sensivelmente o mesmo, refletindo uma estabilização, segundo Rui Pena Pires, diretor do OEm.
As mudanças mais recentes passam por um aumento da emigração para Espanha – que foi o principal destino dos portugueses até 2008, quando a crise financeira e o seu impacto no emprego obrigaram-nos a escolher outros destinos. “A outra novidade é França, que publicou dados pela primeira vez este ano.” Em causa estão as estatísticas das entradas por nacionalidade, que nunca o instituto de estatísticas francês tinha publicado. “O número de entradas de portugueses é maior do que estávamos à espera e são menos qualificados”, realça Rui Pena Pires.
Reino Unido, Suíça, França e Alemanha são os principais destinos. Também em países nórdicos, como a Noruega, se tem identificado um aumento de portugueses. Já fora da Europa, Angola e Moçambique são os dois principais destinos.
Já no que toca ao regresso de portugueses, Rui Pena Pires crê que não tenha sofrido alterações. “Deve estar mais ou menos na mesma, rondando os 10 mil por ano.” Ter números precisos sobre os retornos – ou sobre as reemigrações (passagem de um país para outro) – depende dos Censos, publicados de dez em dez anos. “Entre 2001 e 2011 sabe-se que houve 200 mil retornos, ou seja, quase 20 mil por ano”, aponta Pena Pires.
Regressar a Portugal com emprego
Edgar Ramos faz parte dos números de regresso a Portugal. O que o levou a sair do país não foi o desemprego, pois nunca esteve desempregado. Quando em outubro de 2013 partiu para a Bélgica, o que motivou foi a vontade de trabalhar no estrangeiro. “Não foi o país que me empurrou para fora. Eu queria uma experiência profissional fora.”
Trabalhava na área de desenvolvimento de software, tinha estudado Engenharia Informática e trabalhou na Força Áerea durante sete anos. Antes de escolher a Bélgica, ponderou: tinha ofertas para o Brasil, Estados Unidos e Inglaterra. Escolheu Bruxelas.
Já era casado, mas foi sozinho. “Tenho espírito positivo. Tinha a certeza de que ia gostar e empenhei-me em gostar da experiência”, conta hoje, aos 31 anos. As grandes diferenças? A oferta cultural, a pontualidade e a cultura de trabalho. “Um dia pedi-lhes acesso para trabalhar a partir de casa porque sempre podia adiantar algumas coisas. Perguntaram-me: ‘Não te chega trabalhar aqui?’”
Depois, em dezembro de 2014, algo o fez voltar. “Eu e a minha mulher queremos ter um filho: essa foi a principal razão para voltar. E a verdade é que se ela quisesse ter ido para a Bélgica, eu tinha lá ficado. Preferia ter uma realidade belga vivendo em Portugal. Gostava mais do lado profissional e social da Bélgica, mas, para viver, criar um filho e ter uma família, Portugal é melhor.”
Com o regresso, voltou às 10 ou 11 horas de trabalho por dia – longe das sete horas e meia que trabalhava em Bruxelas. “Não descarto um regresso ao estrangeiro. Gostava de experimentar outro país. Gostaria de ir para os Estados Unidos ou para a Austrália, se fosse eu a escolher.”
“Filho de emigrante raramente fica no país onde nasce”
Também João Viegas, que continua a viver em Barcelona, pondera um regresso. “Admito que penso voltar a Portugal. Mas, provavelmente, já a tocar na idade da reforma, mais uns 35 ou 40 anos. O meu pai, moçambicano, já trabalhou em dois terços do mundo e sempre me disse que filho de emigrante raramente fica no país onde nasce. Tenho de lhe dar razão porque desde pequeno que queria viajar e ir viver para fora (sem saber porquê).”
E o que sentiria se tivesse de voltar hoje? “Sentir-me-ia frustrado. Quero ver mais frutos do meu trabalho e da minha vida.” Em Espanha, já se casou com uma portuguesa, “que emigrou por amor”. “Posso ser cidadão do mundo, mas isso é quando criamos mais do que o que contamos. Quando contamos mais do que o que criamos é porque está na hora de dar lugar a outros, e curtir a jornada de outra maneira”, diz.
“Os dois pensamos em ter filhos e vejo os meus filhos a crescerem num ambiente multicultural que espero que lhes permita pensar por si mesmos, que os faça ir à luta, que os faça ver de outra forma tudo aquilo que a sociedade vê como barreira e que, acima de tudo, possam ser livres para evoluir. Signifique isso o que significar para cada um.”